Opinião: A tentação corporativa de falar tudo em inglês

Há alguns anos eu achava inimaginável falar em inglês palavras ou expressões que possuem um termo em nossa língua com exatamente o mesmo significado. Não me parecia nada lógico. Se existe uma palavra em português que diz a mesma coisa, por que raios vou usar em inglês? Mas essa era eu, a jornalista por formação. Todo mundo sabe que o jornalismo é um mundo paralelo, com suas leis próprias e que não segue muito as tendências de outros nichos.

Mas então eu quis mudar de profissão. Queria “sentir” o que era esse tal de mundo corporativo que a maioria das minhas amigas falava com tanto orgulho. E bem, trabalhar com jornalismo pode te dar muitas alegrias e experiências, menos a de vivenciar o corporativismo. As empresas de comunicação vivem uma realidade totalmente diferente, mesmo as grandes. E com isso em mente, lá foi a “jovem” Amanda para o Buscapé/Lomadee (podemos chamar de jovem alguém com 25 anos?).

E sabe o que aconteceu? Pouco a pouco eu virava exatamente aquela pessoa que eu tanto fazia imitações jocosas lá atrás. Era “budget”, “staff”, “stock options”, “target”, só para citar alguns. Mas não sejamos tão cruéis comigo mesma… Eu migrei para a área de marketing de uma empresa de publicidade, como não cair na tentação de falar todos esses termos em inglês?

Tirando as palavras que citei acima, tinham aquelas que a gente “abrasileirava”. Um bom exemplo é “startar”. De pronto lembro também de “bidar” (em referência à compra de mídia realizada a partir do procedimento de leilões, algo bastante comum nas ferramentas online).

Mas sabe quando eu percebi que eu realmente tinha virado uma pessoa de marketing, daquelas que fala tudo o que pode em inglês? Quando sai com os meus amigos do antigo trabalho e eles começaram a fazer comigo as gracinhas que eu costumava fazer com as pessoas do mundo corporativo. Inclusive, uma amiga disse em tom de brincadeira que havia retomado as aulas de inglês para entender as coisas que eu falava. E sabe o que é o mais interessante disso tudo? Na ocasião, justifiquei que era assim que funcionava o jogo, então se não é possível derrotar o inimigo junte-se a ele.

E é bem isso que acontece. Você vira um estranho no ninho se você não usa FYI em um email (for your information). Ou se fala orçamento em vez de budget. Tá, estou exagerando um pouco, mas tem o seu fundo de verdade nisso tudo. Foi então que a realidade bateu com tudo na minha cara. Meus colegas de profissão tinham caído de paraquedas nesse mundo assim como eu, então começaram a jogar o jogo assim como eu. Será que não era hora de relevar?

A verdade é que cada universo tem as suas peculiaridades. Estar no meio corporativo é fazer parte disso, ou pelo menos não revirar os olhos toda vez que você ouve algo do tipo. Hoje acho engraçado. Tento me policiar, mas a verdade é que não tem mal algum falar uma ou outra palavra em inglês quando todo mundo sabe do que se trata. A comunicação está fluindo da mesma forma, a mensagem foi passada, então sem neuras. Acho que essa agora sou eu, a publicitária por escolha.

Mas vou confidenciar uma coisa… Às vezes a minha versão jornalista fala mais alto e dá vontade de rir disso tudo. O mundo corporativo é bem prazeroso, mas muito engraçado também. A gente vai vivendo e aprendendo… e se adaptando. Mas é aquele tratamento de choque que depois passa a fazer parte do seu cotidiano. Hoje em dia até faço um treinamento de boas vindas para minha equipe sobre algumas terminologias de marketing digital e finanças que usamos muito. É, a vida muda mesmo!

PS: Nunca me senti tão representada na vida do que quando vi esses memes da Bela Gil rolando no Facebook!

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